Uma grande produção faz um filme bom? Uma produção mesquinha torna um filme precário? Diante dessas indagações me lembrei do filme Uruguaio A Casa Muda (La Casa muda, 2010).
A Casa Muda foi um filme dirigido pelo cineasta Uruguaio Gustavo Hernández e teve um orçamento quase absurdo (seis mil dólares), além de ter sido filmado com uma câmera fotográfica (Canon EOS 5D Mark II). A pergunta que não quer calar é: se um filme com um orçamento baixíssimo e filmado com uma câmera fotográfica pode prestar? Sim, essa é a resposta de muitas pessoas, após assistir o filme. Detalhe: a filmagem durou apenas quatro dias. O resultado foi um longo e agonizante plano sequência, com uma narrativa surpreendente.
O filme foi baseado em fatos reais: no interior do Uruguai foram achados
dois corpos mutilados em uma casa e muitas fotos agoniantes. O filme se concentra
num terror psicológico, no qual a personagem Laura (Florencia Colucci) e seu
pai Wilson (Gustavo Alonso) vão a uma casa de campo no interior do Uruguai e na
primeira noite que passam na casa, Laura ouve barulhos estranhos vindos do segundo andar. O terror e o medo se instalam na narrativa quando seu pai vai
verificar o que é que tem no segundo andar e aparece morto.
A câmera serve como o olhar subjetivo da personagem Laura, pois o
espectador só vê o que ela teoricamente está olhando. Os movimentos da câmera
são os movimentos da personagem. A iluminação das cenas são muito baixas,
aumentando a sensação de medo. O filme também conta com os velhos artifícios
dos filmes de horror (fotografias, espelhos, bonecas...).
É importante destacar que como o filme foi construído como um plano
sequencia, o diretor teve um duro trabalho para ensaiar as coreografias com os
atores, pois qualquer erro de movimentação o pessoal tinha que iniciar
novamente a tomada. Apesar dessa ilusão de um longo plano sequencia, há alguns
cortes quase imperceptíveis, pois por questões técnicas seria impossível gravar
78 minutos contínuos.
A trilha sonora é muito importante nesse tipo de gênero, pois tem a
função de ajudar a causar pânico, medo, tensão, enfim, aterrorizar e podemos
dizer que em “a casa muda” a trilha sonora foi excelente. Uma mistura de
músicas infantis (que causam arrepios) e toques de instrumentos musicais agudos
que em terminadas cenas atravessam a alma. A direção de arte também foi boa, mas nada original, foi aquela velha
utilização de brinquedos infantis, embora nessa caso sejam importantes para a compreensão da narrativa.
Os pontos negativos é que o filme começa um pouco arrastado, o espectador
espera o tempo todo por algo que nunca aparece e isso em algum momento acaba
enjoando. Mas o filme tem uma grande “virada” na narrativa que acaba
esclarecendo os fatos e dando ao espectador novas conclusões do mistério.
O filme foi selecionado para Cannes e agradou boa parte do público
principalmente pela qualidade técnica, não esquecendo que ele foi filmado com uma câmera
fotográfica, e realmente ele tem uma excelente qualidade. A utilização desse aparelho
mais compacto possibilitou maior mobilidade. Algumas cenas seriam impossíveis
de se realizar com uma câmera filmadora tradicional, por exemplo: a cena onde a
câmera acompanha Laura entrando no carro por uma porta e saindo pela outra e
continua seguindo a personagem até que ela entre na casa. A construção dessa
cena lembra o plano sequência final de profissão
repórter de Michelangelo Antonioni onde a câmera está se movendo num quarto
de hotel, atravessa as grades e passar à
filmar os acontecimentos da rua. Quase impossível, mas Antonioni conseguiu e
não foi com uma câmera compacta. Se o expectador não souber que “A casa muda”
foi filmada com uma câmera fotográfica, verá uma genialidade parecida.
O filme como um todo é muito interessante e consegue atingir aos
objetivos a que se propôs, contar uma história de terror em um longo plano
sequência, com uma beleza estética digna. É importante salientar que foi o
primeiro longa-metragem do diretor Gustavo Hernández. Aconselhamos que vejam e tirem suas conclusões.